Porque o trabalhador comete ato inseguro? Como mudar isso?
Porque o trabalhador comete ato inseguro? O que posso fazer para mudar isso? Essas são as perguntas que responderemos nesse artigo.
Nos grupos de WhatsApp, Facebook, Instagram ou outros, as pessoas sempre têm a reposta pronta quando aparece uma foto como essa.
Que idiota esse cara! Ele deveria ser demitido imediatamente! Ele não tem amor a vida! É que ele não sabe que a mulher dele deu foi chifres para ele e não asas! Ele não pensa na própria família…
E como esse tipo de foto faz sucesso! O maior perfil de SST no Instagram, por exemplo, não publica uma linha sobre segurança, ele cresceu assustadoramente apenas utilizando esse tipo de imagem.
Curioso como um perfil que se diz de segurança do trabalho crescer porque posta fotos que mostram justamente o contrário?
MAS PORQUE O TRABALHADOR COMETE ATO INSEGURO?
A verdade é que as pessoas fazem coisas que fazem sentido para elas de acordo com os seus objetivos (a recompensa), conforme a compreensão da situação e foco de atenção naquele momento.
Quantas vezes você já fez algo que no momento pareceu ser a coisa certa, mas que se mostrou ser algo totalmente estúpido? Transou sem caminha por que estava “apaixonado” … Emprestou dinheiro porque o fulano era “seu grande amigo” … Acelerou para passar no amarelo (que na verdade ficou vermelho) porque parecia ainda ter muito tempo.
Em retrospectiva tudo fica mais simples! Já sabendo o resultado é muito simples apontar o dedo para os outros, e até para nós mesmos.
No trabalho frequentemente o trabalhador precisa tomar decisões rápidas, com informação limitada que possui, assim como às vezes acabamos fazendo em nosso dia a dia.
E normalmente a recompensa para um ato inseguro, comportamento de risco ou desvio (como preferir) é positiva. Com um resultado positivo, o comportamento acaba sendo reforçado.
NINGUÉM VAI AO TRABALHO PARA SE ACIDENTAR
Nem o empregador deseja matar o trabalhador, e nem o trabalhador deseja se matar. Culpar um dos dois lados é simples, reconfortante, mas altamente ineficiente e não leva a nenhuma reflexão que ajude a resolver o problema.
O empregador quer lucrar, ele idealiza e abre a empresa para isso, e fará o possível para tornar esse objetivo realidade. E como em todo negócio terá que assumir riscos.
Ele assume o risco também quando não investe na proteção da máquina, e acredita normalmente que está fazendo o certo, afinal, “ninguém nunca se acidentou naquela máquina, seria muito azar isso acontecer agora”.
Lhe digo com toda certeza, se você (ou eu) estivesse no lugar o empregador, com o conhecimento dele (que não tem formação na área de segurança do trabalho), provavelmente tomaria as mesmas decisões que ele toma.
PRINCÍCIO DA RACIONALIDADE LOCAL (LOCAL RATIONALITY PRINCIPLE)
O trabalhador faz coisas que fazem sentido para ele de acordo com seus objetivos, conforme a compreensão da situação, o conhecimento que possui, o tempo disponível, a pressão no trabalho e o foco de atenção naquele momento.
O trabalho precisa ser entendido a partir das perspectivas locais de quem está fazendo o trabalho, e não das nossas!
O princípio da racionalidade local (Local Rationality) é importante nesse cenário. Se os trabalhadores fizeram coisas que parecem, a princípio, inexplicáveis, não é porque estavam fazendo coisas inexplicáveis. Jens Rasmussen sugeriu em seus livros, que o problema é que não estamos nos posicionando para entender porque fazia sentido para eles fazerem o que fizeram.
Em qualquer análise de acidente de trabalho ou análise de comportamento inseguro (ato inseguro) precisamos nos colocar no lugar do trabalhador, ver o mundo pelos olhos dele.
A pergunta poderosa para entender o comportamento é a seguinte, porque o trabalhador julgou ser aceitável correr o risco?
ALGUNS FATORES QUE PODEM TORNAR O RISCO ACEITÁVEL
Abaixo listamos alguns itens que podem influenciar no trabalhador cometer o ato inseguro (comportamento de risco). Que podem fazer com que ele entenda que o risco é aceitável.
Objetivos que possui: Alguns exemplos de frases que ecoam na cabeça do trabalhador. “Preciso bater minha meta novamente nesse mês para ter a chance de ser promovido”. “Se eu não correr para terminar essa encomenda perderei o bônus desse mês”. “O trânsito está F#d@, vou ter que correr para não atrasar essa entrega”.
Pressão por produção: Normalmente ocorre em períodos com pico de produção, seja por causa de uma data especial, por exemplo, Natal para um fábrica de brinquedos, período de safra no setor produtivo do trabalho rural.
Compreensão da situação: Nunca conheci um trabalhador que conhecesse 100% do que está escrito nos manuais sobre a atividade dele.
O trabalhador normalmente trabalha de cabeça, com base na realidade que observa, e assim, pouco a pouco, vai se criando sua própria compreensão do que tem que fazer, sem que a liderança perceba.
Exemplos dos colegas: Maior parte do conhecimento que adquirimos é ganha através de copiar comportamentos que vemos em nossa volta. “Se o meu colega do lado não está utilizando EPI eu também não utilizarei, esse EPI incomoda demais”.
Exemplos da liderança: As pessoas seguem o líder (seja formal ou informal). Se ele dá maus exemplos será difícil para o setor de segurança conseguir sucesso nos trabalhos de comportamento seguro.
Você pode ministrar DDS periodicamente dizendo que o uso do EPI é importante, mas se o líder não mostrar que ele também vê isso como prioridade, chance são que não terão sucesso no convencimento.
Se o trabalhador não entender que o uso do EPI é importante para a empresa, e não apenas para o setor de SST. Se ele não entender que é fator que poderá até determinar a manutenção do emprego, ou uma futura oportunidade de promoção, será difícil ter sucesso na utilização do EPI.
Mas e se eu punir o trabalhador pelo não uso do EPI? Punição da segurança do trabalho não dá certo. Não é sustentável, e dá frutos horríveis com o passar do tempo. A prática mostra isso.
Conhecimento que possui: Se refere a cursos que ele fez, a forma como entende o próprio trabalho. Grande influencia tem também suas experiências no trabalho que exerce.
Foco de atenção: O professor Baba Shiv’s da Universidade de Stanford mostrou como o foco e a atenção consome quantidade de energia mental, e sabendo que nosso curso adora economizar energia, uma atividade que demanda grande gasto de energia pode ser um enorme problema.
Ele dividiu 165 estudantes graduandos em dois grupos, para um dele deu 2 dígitos para memorizar, e para outro ele deu 7. Depois que eles memorizam, foram a outro salão revelar os números. No estudo ele percebeu que os que ficaram com apenas 2 itens comeram mais coisas leves como salada de frutas, mas os alunos que ficaram com 7 itens, por causa do gasto mental, comeram duas vezes mais, e preferiram as comidas mais pesadas como bolo de chocolate¹.
Além do gasto metabólico maior, mais atenção também faz com que deixemos de perceber os perigos a nosso redor. A dura verdade é que não somos bons com multitarefa. O livro a Única Coisa explica esse fato em detalhes. Quando tentamos focar em muitas tarefas perdemos os detalhes de todas elas
CONSELHOS PRÁTICOS
Como então eu poderia ter uma abordagem mais agregadora, que conduzisse o trabalhador rumo ao comportamento seguro? Aqui temos algumas dicas interessantes.
Ouça as histórias das pessoas: Considere se comunicar frequentemente com os empregados, estejam eles aonde estiverem.
Crie canais nos quais os especialistas de campo possam contar suas
histórias, seus pontos de vista, de como eles vivenciaram ou vivenciam os acontecimentos no trabalho. Tente entender a situação e o mundo do ponto de vista do outro, tanto em termos do contexto quanto de sua experiência momento a momento.
Compreenda metas, planos e expectativas no contexto: Discuta e entenda as metas, planos e expectativas individuais e da organização, no contexto do fluxo de trabalho, considerando o sistema de trabalho como um todo.
Compreenda os conhecimentos, atividades e foco de atenção: Concentre-se no ‘conhecimento no momento em que as coisas aconteceram ou acontecem’, não em seu conhecimento agora.
Compreenda as várias atividades e o foco de atenção no determinado momento e no cronograma geral. Considere como as coisas fazem sentido para os envolvidos e as implicações do sistema.
Procure olhar por outros anglos: Não se contente com a primeira explicação, a resposta mais simples é normalmente a incorreta. Discuta as diferentes percepções de eventos, situações, problemas e oportunidades, de diferentes especialistas de campo e perspectivas. Considere as implicações dessas visões diferenciais para o sistema.
Crie procedimentos de trabalho em parceria com o trabalhador: Um check list para máquinas e equipamentos baseado na NR 12
legalmente estará correto, mas ele será aplicável a realidade da empresa? O trabalhador responsável por utilizá-lo o utilizará?
Opção seria criar a estrutura do check list, imprimir e pedir que o trabalhador coloque lá o que ele julga importante, e depois você chamaria o trabalhador e colocaria os itens normativos, validando com ele item por item, quais ele julga que faz sentido. Inclusive, pode haver dois check list, um para você (e o especialista em segurança) e outro para o trabalhador (que operará o equipamento).
EMPATIA, OLHAR COM O OLHAR DO OUTRO
Talvez depois de ler tudo isso, ao ver uma imagem como essa você agora consiga pensar na história mais completa, a história mais profunda.
Algumas perguntas que eu faria se eu fosse o TST dessa empresa. Será que esse trabalhador teria outra forma de cumprir a tarefa? Será que a empresa lhe daria escolha para fazer de outra forma? E sabe aonde eu iria buscar as respostas? Com o próprio trabalhador!
Sempre tenha um objetivo definido para qualquer abordagem em SST. Entenda o problema, e entre com a medicação. Talvez nesse cenário uma avaliação de maturidade da cultura de segurança faça muito sentido, para que depois de entender o estágio atual, possa olhar adiante.
Com o olhar para o sistema, o setor de segurança deseja melhorar o que? Deseja diminuir a frequência de quais tipos de comportamento?
Deseja melhorar a adesão ao uso dos EPIs? De qual tipo de EPI, botina, protetor auditivo?
Espero que tenha entendido o quanto é simples aplicar os conceitos apresentados aqui. É simples mas não é fácil, principalmente em empresas com baixa maturidade na cultura de segurança. Basicamente o que fazemos é buscar entender porque e como as coisas acontecem da maneira que acontecem.
Atuar dessa forma requer um olhar genuinamente interessado para o trabalhador como pessoa, e no sistema de trabalho, requer utilizar empatia. Requer e uma reconstrução cuidadosa das ações de segurança, com foco não apenas em cumprimento legal, mas em entender com especialistas de campo, e assim, dar sentido a segurança do trabalho no contexto do sistema.
A ideia é fazer com que a segurança do trabalho faça sentido. A ideia é fazer com que o comportamento seguro seja desejável e fácil, e que o comportamento de risco (ato inseguro) seja difícil e indesejado. E claro, que isso é impossível de fazer sem envolver a liderança da empresa.
Se precisar de nossa ajuda, basta nos chamar em qualquer das formas de contato presentes nesse site.
Bibliografia
¹The Onde Thing – Autor Gary Keller. 2013
The Field Guide to Understanding ‘Human Error’ – Autor Sidney Dekker. 2014